domingo, 7 de setembro de 2008

O QUE É O FIGURATIVO GEOMÉTRICO







O QUE É O FIGURATIVO GEOMÉTRICO.





A semana de Arte Moderna em Fevereiro de 1922 para muitos foi o começo da libertação da cultura nacional dos grilhões europeus. Os artistas modernistas se insurgiram contra os valores acadêmicos que representavam não só o imperialismo político-econômico, mas também o imperialismo estético-intelectual. Mário de Andrade ao afirmar que “Seu senhor era ele mesmo.” Dava um grito de liberdade artística, desprezando todos os modelos preconcebidos pelos colonizadores.
Mas a despeito de toda rebeldia e insurreição, esse movimento cultural se assemelhava muito à inconfidência mineira, ou seja, a classe dominante da colônia lutando contra a classe dominante da matriz, para o povo essa disputa significava apenas mudança de domínio e não mudança de estrutura.
Assim muito tempo ainda iria se passar até o povo tivesse acesso à originalidade da arte e o Figurativo Geométrico do artista plástico J. Duarte surgisse, representando essa conquista: A mudança de estrutura.

No Figurativo Geométrico encontramos todos os ingredientes da genuína arte popular misturados com as flutuações filosóficas universais e o primitivismo das formas estéticas. Encontramos a expansão da arte até a sua máxima forma de expressão, a fragmentação da figura e do ambiente, a nudez simbólica, o desenho padronizado, cores chapadas e primárias. Encontramos indagações angustiadas da existência humana, o sexo como experiência mística e a iniciação do homem ao conhecimento do universo.




Analisando o quadro “O homem só” a primeira idéia que surge é de algum chefe tribal ou um totem mágico usado por uma tribo primitiva a fim de despertar a consciência íntima do “eu”. E se tirarmos o tropicalismo das cores, que está envolto em matizes sombrios de violeta, a obra é totalmente influenciada pela arte negra. Há também uma outra mensagem, sendo essa de valor universal, a de que o homem está só, não importando o que ele faça, enquanto ele não encontrar o seu criador... Talvez “O homem só” seja o único que defenda um valor espiritual maior na busca religiosa da humanidade, pois o artista sempre que deixa transparecer seu ponto de vista teológico, revela uma enorme aversão a qualquer forma institucionalizada de crença ou fé.



A pintura “Joana d’Arc, a louca” é obra máxima na crítica da utilização da igreja como forma de dominação intelectual e religiosa do povo.
Mas o que Joana d’Arc tem haver com o povo brasileiro? O que uma francesa que viveu no século XV d.C. e tomou parte na guerra franco-inglesa tem haver com o Brasil? A guerreira francesa é o paradigma da ignorância religiosa no seu mais alto grau, (ignorância que nasce do desconhecimento total da realidade que nos cerca), paradigma da falta de cultura e da ingenuidade infantil. Características essas bem comuns na nossa população. No quadro, ao fundo, são Miguel, santa Catarina e santa Margarida, os aliciadores da pobre criança, assistem ao final trágico daquela aventura medieval, e somente um deles se mostra chocado com aquele horrível desfecho.
“Joana d’Arc, a louca é também um alerta contra toda forma de experiência mística capaz de violar o direito sagrado da dúvida”.



A pintura “Mulher amarrada em si mesma” é o estandarte da liberdade feminina, um grito em defesa da mulher. No quadro, vemos uma figura feminina de braços enormes que entrelaçam o próprio corpo, produzindo a pior prisão que um ser humano pode suportar: a prisão interior. Prisão em que à mulher foi submetida durante séculos servilismo.
Bem, essa prisão foi criada pela preconceituosa cultura machista entranhada na religião e em todos os setores da sociedade. A história nos mostra grandes opressores da mulher: Moises, Maomé, Salomão, Santo Agostinho, São tomas de Aquino, apóstolo Paulo, Judaísmo, Cristianismo, Catolicismo, Protestantismo, Islamismo. Alguns deles, infelizmente atuando até hoje com liberdade de expressão e ação.
O tema central da obra enfoca a mulher subserviente à ideologia de superioridade masculina, veiculada pela religião ou qualquer sistema político-social. O início da hipertrofia de seus braços começa quando ela aceita essas doutrinas e mais adiante, quando deixa essas idéias determinarem a sua conduta e seu modo de vida, seus braços se tornam verdadeiras correntes que irão aprisioná-la permanentemente numa triste vida de submissão.




O autor faz o receptor participar ativamente da visão do personagem principal no quadro “O adúltero”. Sobre a cama, três mulheres esperando alguém chegar. A porta entreaberta mostra o esposo, o amante ou um admirador? O título da pintura responde sem deixar qualquer dúvida a respeito da identidade do homem que está em primeiro plano. É o esposo traidor que procura satisfação carnal fora do matrimônio. A cama, porém revela o surrealismo de uma trindade feminina. Quem está na cama à espera daquele homem? A esposa, a amante ou a mulher ideal? A pintura faz com que participemos da visão do personagem título naquele momento pré-extático. Não sabemos quem é, entretanto sabemos que sobre a cama repousa apenas uma mulher...



A primeira vez que tive o prazer de vê o quadro “A praça”, pensei que o autor havia trocado o título, pois olhando atentamente, o que se destaca é a figura de um homem sentado no chão. Sobre esse tema, tive a oportunidade de conversar com o próprio autor. Ele diz:
__Estava em uma praça em Duque de Caxias, uma praça muito bonita, recém-reformada pela prefeitura. Lá havia muita gente. Crianças, mulheres, estudantes e idosos. Brincavam, falavam e jogavam, parecia uma festividade à vida. Junto ao poste, perto de uma lixeira com poucos dias de uso, um homem aparentemente novo, cabelos grandes emaranhados, sujo, sentado no chão, brincava com as próprias mãos, como se as tivesse descoberto naquele exato momento. Era um grande contraste. Uma pequena tese sociológica. Ninguém se importava com o mendigo, era como ele fizesse parte da paisagem urbana, colocado ali, esteticamente, para quem sabe suscitar em algum cristão, noções antigas de solidariedade.
Fiquei olhando aquele pobre homem esquecido e desprezado por todos... Assim nasceu o quadro “A praça”.



Conhecer a obra do artista plástico J.Duarte é importantíssimo para qualquer pessoa, tanto para aquele que aprecia a espontaneidade e a liberdade de criação artística, quanto para quem não perdeu o senso crítico e a esperança de melhorar a nossa sociedade.
Qualquer pessoa mesmo, até aquela que não está nem aí pra nada, vivendo no seu mundinho egoísta, pois o figurativo geométrico, rico em cores e formas, remete ao maravilhoso mundo das artes numa experiência afetiva e instigadora entre o emissor e receptor.
E quem sabe, um dia, em uma noite insone, nas madrugadas perdidas da vida, na qual o ideal maior foi deixado para trás, você sentado na poltrona da sala, tentando lembrar de algo de bom que tenha feito, desperte intrigado, olhe para parede e pergunte para si mesmo:
__O que significa esse quadro?





George Masteigam
Professor de Arte







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“A pintura é um pequeno momento de intimidade com a vida...”.

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